Nunca tente pousar com chuva de Para-Brisa

Foto: Gilson Vasconcelos

           Chuva de para-brisa é aquela garoazinha fina, a tal "chuva de molhar bobo". Quando se está pousando numa pista longa e onde o único compromisso é tocar no eixo e no primeiro terço, esta chuvinha não tem a menor importância.

           Agora, se  você pode dispensar somente os três primeiros metros da pista, muitas vezes tendo uma marca no solo como ponto de toque e, se tocar antes quebra no degrau e se tocar depois ´´vara`` pois a pista é curta e está molhada, e se dando por feliz por não ter que desviar de uma árvore na final, a visibilidade é fundamental para o sucesso do pouso.

           Por vezes uma chuva forte é preferível. No momento que se reduz a potência, perde-se de vista a cabeceira e ai, seja o que Deus quiser. a tendência é entrar mais alto desperdiçando aqueles quinze a vinte metros que vão fazer falta no final da pista. Quebra legal!!! Normalmente é a bequilha que vai para o saco, pra começar. O exemplo mais citado lá pelo garimpo é de um coronel da reserva da FAB que ´´debulhou`` um Baron ao ´´varar`` a pista do Goiano por ter entrado alto devido a tal chuva. Ele não quis o briefing da operação de garimpo. Quebrou no primeiro voo.

           Desconsiderando-se os acidentes causados por estas infrações às regras locais, até que o voo no garimpo é seguro. Voei 2.000 horas e não tive nenhum.

           Fica mais na base da autocrítica do piloto. Cada um tem que saber das suas limitações para julgar adequadamente a conveniência de aceitar ou não aquele voo. Existem pistas que são um desafio para os pilotos. Tem os que pousam nela e os que não o fazem.

Saber se o dinheiro do frete compensa o risco de quebrar a máquina, é uma conta difícil de se fazer.

           Eu operava no chuvisco de Ouro. Pistinha safada em dia de chuva. O declive lateral era tanto que o avião escorregava de lado em alguns trechos e a inclinação no final, depois de todos os calombos, era tão grande que eu nunca decolei da cabeceira, pois nem com todo o motor conseguia subir lá. Ah! Tinha também uma curva no meio da pista, mas era suave e nem catava pneu.

           Certa vez, após descarregar o avião, notei o pneu da bequilha furado. Solicitei, pelo rádio, que me mandassem uma roda completa e um mecânico para trocá-la. Após duas horas, não haviam conseguido nenhum piloto para pousar no Chuvisco de Ouro.

           Como eu viria para o Rio e este era o último voo, se eu atrasasse perderia o avião de Santarém para Belém, fui obrigado a aceitar a sugestão do peão da canta do garimpo: ´´Colar um pedaço de Câmara de bicicleta sobre o furo com ´´Tirebondi``, segundo ele, e encher a câmara com a máquina de pulverizar remédio contra mosquito de malária.

           Fiz. ficou meio murcho mas, com uma tora de madeira desloquei o CG bem para trás deixando a bequilha leve e me fui para Itaituba. Deu até para taxiar até a oficina, na chegada.

           História de pneu furado tem a do ´´gauchinho``, figura das mais originais que conheci por lá. Voava de bombacha, guaiaca e lenço no pescoço, sempre com a cuia de chimarrão e a garrafa térmica. Ele me contou que, para não dormir no mato, o que todos evitam com medo da malária, encheu o pneu direito com capim e, num lampejo de inteligência, transferiu todo o combustível da asa direita do ´´carioquinha`` para a asa esquerda, botou os dois peões bem na esquerda, e decolou da sua pista. Como no garimpo se tira o avião do chão na velocidade mínima do voo, não teve comando para contrariar o desbalanceamento e, embrenhou-se mato a dentro com o avião. As cicatrizes ficaram pelo rosto inteiro. Perdeu a vida num acidente em Boa Vista, na primeira decolagem da pista que abrira por lá e da qual quase fui sócio. Bateu no morro após a decolagem. A pista tinha comprimento e perfil para decolar com dois passageiros. Estava era mal socada e o avião foi meio atolando no início da corrida  o que fez com que ele saísse do chão no final da pista e não conseguisse ganhar altura suficiente. O ´´gauchinho`` era bom de churrasco mas melhor de ´´arroz a carreteiro``. O melhor que comi até hoje ele fez numa noite na beira da Transamazônica, no seu armazém, com a sobra do churrasco do almoço.

Este texto foi extraído do livro ´´PILOTO DE GARIMPO`` ainda não publicado. 


         Gustavo Henrique Albrecht é ex-Piloto da FAB, Piloto de garimpo, Piloto de teste de ultraleves, Presidente da ABUL- Associação Brasileira de ultraleves, da qual foi fundador. Voa cerca de 80 aeronaves diferentes, entre aviões de acrobacia, planadores, Helicópteros, asas delta, parapentes e outros objetos voadores.

Artigo publicado originalmente em Revista SKYDIVE Ano 3 N°17 1996

Um comentário:

  1. As histórias são muito parecidas. As tomadas de decisões, as pistas experimentais, os voos em ambientes hostis como na Amazônia, uma paraíso natural sem recursos para os valentes e destemidos pilotos. Todavia entre o julgamento e a avaliação sempre bom pensar sobre o pior, porque supor que vai dar certo pode ser uma mera pretensão. Como de fato é na maioria dos acidentes por lá. Eu vooei 2 anos na região de Santarém, Prainha, Óbidos, Juruti, Oriximiná, Porto de TRombetas, Belém e toda região escondida do Rotaer que somente com muito entusiasmo e avidez alguém pode ser bem sucedido. Mas valeu muito a pena, depois inclusive de muitas panes e um pouso forçado... nada mal, tudo saiu muito bem! Parabéns Cmte Albrecht e os demais. Nosso oficio é voar...

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